sábado, 30 de outubro de 2010

Fratura Moral

Na quarta-feira, 20, acompanhamos o rebuliço causado pelo confronto entre PSDB e PT, fruto de um desgaste que vem se acumulando desde a pré-candidatura de Serra e Dilma. A batalha culminou com a utilização de um violento arsenal, revelado às pressas como um daqueles cães que mostram os dentes antes de avançar contra o inimigo.

Dentre as armas sagazmente escolhidas pelos vanguardistas, além da tradicional metralhadora de asneiras e fanfarronices de ambas as partes, figura também uma... bolinha de papel.
O que aconteceu depois do ataque, não mais nos interessa. Somos um povo com a fabulosa capacidade de esquecer todo o contexto e dirigir nossa atenção somente àquilo que nos diverte, ou nos entretém por alguns momentos. Não que isso seja um princípio negativo, mas tem a hora certa para ser aplicado.

Nesses últimos dias, não se tem discutido os efeitos do confronto: poucas pessoas sabem que comerciantes perderam quase um dia todo de trabalho ou que dezenas de pessoas ficaram feridas. O senso comum apregoa que Serra foi aconselhado a ter dores de cabeça após ser atingido por uma “bola perdida”. E só.

Não deveríamos discutir sobre o que foi atirado ou os efeitos irreais de uma “pancadinha de leve”. A bola de papel mostra a mesma selvageria, e deveria causar igual comoção à que houve após os ataques a Berlusconi, Bush, Obama e, inclusive, Kennedy. Da bola à bala, todos esses retratam o canibalismo político presente nos quatro cantos do mundo. Todos comprovam verdadeira falta de respeito e quem sabe, a imoralidade de um eleitorado cego, parcial.

Certamente, mais do que o abalo físico – que convenhamos, inexiste – a bolinha de papel atirada causou o abalo moral, fratura terrivelmente exposta no brio de quem leva este país a sério. Como democracia que somos e para quem realmente se preocupa com isso (afinal, o que é mesmo democracia?), tudo isso soa como uma bofetada no rosto corado e risonho do brasileiro.

Os disparates que ouvimos após eventos como esse são naturais, frutos do nosso sensacional bom humor, que nos permite fazer piadinhas de todas as nossas desgraças. O que não pode se naturalizar e se enraizar em nosso cotidiano é a admissão livre e imponderada da ruptura da ética e da moral. Grandes nações sofrem desse mal, essencialmente anacrônico.

Aos patriotas, não se preocupem: esse é um bom sinal. Se já somos tão vorazes quanto os grandes, é hora de tocarmos as trombetas e avisarmos que estamos chegando. Sob nova direção e com um band-aid verde e amarelo na cabeça.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Os Superpolíticos

Tentando digerir alguns resultados dessas Eleições, numa ressaca eleitoral que ainda amarga o céu da boca de muita gente, o cidadão comum – aquele como você e eu – tem vivenciado uma das poucas vezes em que a escolha de um nome para a Presidência causou, mais do que o frisson dominical, uma paixão cega, talvez mórbida por um rosto ou outro.

Austeros ou indiferentes, esses rostos brilharão uma vez mais em branco e preto, na tela das urnas, quando finalmente, saberemos quem será o novo anfitrião da Granja do Torto.

Entretanto, apesar da paixão por um ou outro, nota-se ainda a falta de um ideal, de algo que motive verdadeiramente a escolha. Vota-se em um por mera satisfação pessoal ou convencimento de que ele, o candidato X, é melhor – e em alguma coisa ele tem de o ser. Mas quando questionado sobre a relatividade do que vem a ser o melhor, o eleitor desiste de suas convicções. Orgulha-se em dizer “voto aqui para não votar ali” ou, lamentavelmente, “voto porque todo mundo vai votar.”

Essa dura realidade – coisa banal para alguns – deveria ter um reflexo mais profundo na vida do eleitor brasileiro. Se não o tem, eis um dos frutos da inconsistência na educação eleitoral da nação. Certamente, o tão aclamado movimento das “Diretas Já!” não faria o mesmo sentido em nosso contexto social, em que o voto se transmutou em algo mesquinho, sem valor para a maioria da população.

Na administração, fala-se em “fazer mais com menos”. Apesar de ser um adágio aplicável em inúmeras áreas da vida contemporânea, ele não funciona muito bem na urna. Não se pode extrair o máximo de uma Eleição com o mínimo de envolvimento do cidadão. Esse paradoxo é um dos grandes geradores do negativismo político em que vivemos, à espreita de qualquer irregularidade – por menor que seja – para voltarmos nossa atenção ao sensacionalismo que vem de todos os lados.

É fato que a política nacional carece de integridade e retidão. Porém, outro fato é que temos, sim, bons políticos já trabalhando por nós. Políticos que não caem no gosto popular porque o comportamento honesto e justo não aparece na mídia. Eles foram frutos de uma pequena parcela eleitoral que votou conscientemente, isenta de modismos ou da cegueira trazida pelas paixões partidárias.

Quanto aos demais, com pouca fé votamos, com muito rigor cobramos. E acabamos por criar uma esfera utópica de ação, onde um indivíduo imutável e infalível será, um dia, entronizado acima de qualquer ato de iniquidade. Cria-se a imagem fantasiosa do “superpolítico”, que içará o Brasil do limbo e fará dele uma nação imaculada. Cria-se o sonho do príncipe encantado que subirá a rampa do Palácio levando consigo aqueles que nele votaram. Desculpem-me a pungência pela crueldade, mas isso não existe.

Independentemente da cor da capa do presidente – se azul ou vermelha – ele só será o herói da nação quando nós mesmos formos capazes de tal proeza.