segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Direito ao falar, Dever ao ouvir.

Divinópolis, 27 de Dezembro de 2010.

Ao Divinews, o portal de notícias mais rápidas que um clique,

Fico feliz com a iniciativa que o senhor teve de fundar um jornal inteiramente online e confesso, poucas pessoas em nossa querida Divinópolis tiveram tão grande audácia, sobretudo por entenderem que o meio online, pelo seu dinamismo, precisa acompanhar o ritmo dos internautas – que em sua linearidade, movimentam a internet 24 horas por dia, incansável e invariavelmente.
Entretanto, uma das coisas que tenho notado em seu site – o Divinews, portal de notícias mais rápidas que um clique – é a morosidade de inserção das notícias, que por diversas vezes, me fazem clicar por uma, duas, três semanas até que a notícia do mês passado esteja redigida em seu site.

Por falar nisso, gostaria então de reiterar minha insatisfação em ler suas ferrenhas críticas contra os jornais da região, que sempre dão notícias após a vida útil das mesmas. Como leitor assíduo de dois dos principais diários da cidade – o Jornal Agora, tradicional na região e detentor de uma generosa fatia de assinantes e; o Gazeta do Oeste, dirigido com maestria e dono de excelente qualidade textual e de conteúdo, afirmo convictamente que até hoje, em quatro anos de leitura diária, não presenciei nenhum lapso de tempo entre o fato ocorrido e a notícia veiculada. Por isso, creio que suas colocações sejam incoerentes.

Aproveitando o ensejo de “qualidade textual”, também é mui ingloriamente que preciso informar ao senhor que todos somos suscetíveis ao erro – eu nessa carta ou em meus artigos, você no seu site – o Divinews, portal de notícias mais rápidas que um clique – como qualquer outro redator, repórter, estagiário, presidente de empresa ou seja lá o que for. Entretanto, há pessoas que não conseguem compreender o fato tão claro no meio editorial. Por essa razão, fico também grandemente decepcionado em ver que o senhor é exageradamente ríspido ao condenar quem escreve apressadamente e acaba engolindo um S ou outra consoante qualquer, mas em sua própria página – o Divinews, portal de notícias mais rápidas que um clique – possamos encontrar falhas grotescas de ortografia, gramática, concordância e a irritante mania de todo brasileiro de não saber a diferença entre “isso” e “isto”, os quatro porquês, “onde” e “aonde” e, recentemente, “mal” e “mau”. Isso – note, com dois S’s – vem a reforçar minha teoria de que antes de entrar para o contexto comunicacional, o profissional deveria se submeter a um curso intensivo de Língua Portuguesa.

Embora o curso possa reduzir as agressões aos olhos do bom leitor, também com pesar afirmo que ele não soluciona a maravilhosa fábrica de disparates na qual o Divinews se tornou. Com uma frequência relativamente alta, vejo textos que condenam tudo e todos, concomitantemente. Seja o uso do Twitter – que se tornou uma ferramenta de trabalho utilizada inclusive pelo senhor – seja a presença de personalidades influentes de Divinópolis em encontros casuais com gente “comum”, ou qualquer outra coisa sem sentido e sem nenhum motivo que transforme o fato em pauta. Com o perdão da expressão, digo pesarosamente – e note que exagero no uso de advérbios – que seu site – o Divinews, portal de notícias mais rápidas que um clique – não mais se trata de um ambiente de notícias interessantes, mas uma janela virtual onde se encontram velhas fofoqueiras. Uma ranzinza de um lado, praguejando e expressando suas insatisfações cotidianas e outra ouvindo, balbuciando sem voz ativa, bocejando e esperando que chegue logo a hora do café.

Ainda no tocante aos disparates que tenho percebido no Divinews, o portal de notícias mais rápidas que um clique, estão as infundadas críticas (como todas as outras) às agências de publicidade da cidade. Como publicitário que sou, é inevitável que eu e meus colegas de profissão não nos sintamos ofendidos com o que lemos num dos esboços jornalísticos encontrados em sua página de notícias. O que se pode notar ao lermos tal texto é a obsolescência de tudo o que foi dito, sobretudo num cenário onde a publicidade é volátil e mutável, tornando-se antiquada de um dia para o outro. A crítica absurda feita pelo senhor às agências da cidade é puramente baseada em livros datados de cerca de uma década atrás, quando as empresas ainda mantinham uma estrutura departamentalizada. Entretanto, foi proveitoso ler a matéria (se é que posso denominá-la assim). Por meio dela, percebi a limitada visão de quem redigiu tudo aquilo e, principalmente, a parca noção do que vem a ser a publicidade, o processo criativo, o intraempreendedorismo. Nada disso pode ser constatado na opinião mal expressada e mal redigida (abarrotada de erros gramaticais, claro) naquele pobre amontoado aleatório de palavras*.

Uma das coisas pelas quais zelo é a veracidade das informações. Como alguém que trabalhou numa das empresas que o senhor citou nesse infeliz texto, afirmo também que as house agencies surgiram não pela insuficiência das agências locais, mas pela necessidade de se manter um pessoal especializado dentro das organizações. Se bem ainda me recordo, uma das grandes empresas citadas na sua matéria foi a mesma que contratou – já operando no sistema de H.A. – uma agência 100% divinopolitana há aproximadamente dois anos, com um garoto propaganda magistralmente escolhido e campanhas de alcance nacional, que deram excelentes níveis de retorno midiático, financeiro e de branding para a empresa anunciante. Por questões éticas, me reservo no direito de não mencionar nem agência, nem cliente. Apenas o suficiente para desmantelar mais um absurdo dito, da sua opinião, também duramente condenada no mesmo texto ao qual me refiro.

E como se uma coisa levasse a outra, acabamos de citar quase que ao acaso, a expressão de opiniões próprias. Como o senhor bem deve saber, textos jornalísticos, além de concisos e objetivos, devem ser totalmente isentos de opinião de quem escreve – salvo quando o próprio estilo redacional requeira essa expressão, o que não vem a ser o caso do Divinews, o portal de notícias mais rápidas que um clique. E sabe? Mesmo que agora os jornalistas não precisem de diploma para exercerem a profissão, é com muita satisfação que me orgulho daqueles que possuem esse valioso pedaço de papel timbrado. Não numa supervalorização do diploma, mas pelo que ele significa. Significa que alguém se esforçou em aprender o que é certo, o que é ético, o que é justo e, mais do que isso, alguém que aprendeu de verdade a diferença entre jornalismo e amadorismo. Alguém que precisou passar por um juramento no qual se afirma que a profissão será exercida para o bem da nação – e aqui, entenda-se nação pela nossa Divinópolis, pelo nosso Estado, pelo Brasil ou o mundo inteiro, que seja – e não para simples demérito de quem contrapõe um editor, um funcionário do jornal. Sabe o que o diploma significa, na verdade? Humanidade. Inteligência. Sensatez. Racionalismo. E, principalmente, ética. Caráter. Moral. Honestidade.

Veja bem, senhor leitor dessa carta, isso não é uma crítica a você – pois sou adepto do teorema, não sei de quem, de que mentes inferiores discutem pessoas e mentes superiores discutem ideias. É uma crítica – construtiva – ao seu produto. Como consumidor, tenho todo o direito. Infelizmente, a iniciativa que tinha tudo para ser fantástica e inovadora no cenário divinopolitano, parece naufragar lentamente. Mas não há nenhum buraco no barco – a água entra pela vontade dos comandantes. Se bem aprendi nesse tempo lendo o Divinews, o portal de notícias mais rápidas que um clique, é hora de fazer a minha consideração, infundada, talvez: seu jornal é online não pela proposta revolucionária na região, mas pela falta de recursos – financeiros, intelectuais, sociais, organizacionais – para se manter um impresso. Essa sim, é uma verdadeira arte, na qual o Divinews poderia se inspirar profundamente para um dia, quem sabe, poder ser chamado “jornal” e não mais “site de fofocas”.

Por essas razões, informo cordialmente que eu, pessoa física, não mais lerei o Divinews, o portal de notícias mais rápidas que um clique. Principalmente depois que fui questionado violentamente se eu sabia ou não o significado da palavra “ambidestro” e sofri uma injúria catastrófica por alguém de sua equipe, no Twitter. Como bom estudioso que tento ser, ao término desta carta, vocês poderão encontrar a definição do dicionário para “ambidestro”.

Não mais atenciosamente,

Seus leitores.


* http://www.divinews.com/cidade/pagina-principal/10690-artigo-comunicacao-e-comunicacao-agencia-e-eugencia-lembra-do-denorex-aquele-que-parecia-mas-nao-era.html

AMBIDESTRO: (adj. m.) Tão destro de uma, quanto da outra mão.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O Brasil do Brasil

Poucas situações causam a mesma comoção generalizada que a guerrilha do Rio de Janeiro tem causado desde a última semana. Seja pela crueldade de uns, a valentia de outros ou puramente pelo excesso midiático, o confronto gera em nós, brasileiros de coração e documento, os mais variados sentimentos. Nuances de revolta e patriotismo, de perplexidade e de um audacioso desejo de se fazer justiça com as próprias mãos.

Embora seja impossível esquecer-nos da violência que permeia a Cidade (Quase) Maravilhosa, brilhantemente definida por Fernanda Abreu como o “purgatório da beleza e do caos”, deveria ser imprescindível também falar do que vem ocorrendo paralelamente aos conflitos. Algo que vem desafiando os mais carniceiros veículos jornalísticos. Que supera os limites do espetáculo sangrento ao qual estamos habituados. Algo que subsiste tímido nos corações de quem verdadeiramente ama este país.

O hastear da Bandeira Nacional no alto do morro mostra mais uma vez que somos indecentemente sonhadores, no melhor dos sentidos. Mexe com nosso brio. Com nosso civismo. E nos faz compreender melhor do que ninguém o significado da expressão “apesar dos pesares”. Apesar da corrupção, apesar da violência. Apesar de tudo, somos brasileiros do Brasil com S, coisa nossa, de mais ninguém.

Quando crianças, aprendemos na escola a nos sentir briosos ao ver a Bandeira Nacional. Mas não nos ensinaram que vê-la tremulando no alto do morro em meio ao caos, mostrando a hegemonia de toda uma pátria, era tão prazeroso.

Em algumas poucas imagens na TV ou na internet, pudemos nos despir do nosso pessimismo habitual que sempre ridiculariza as coisas do país. Abrimos mão das piadinhas e encaramos a situação em silêncio, mesmo que apenas por alguns segundos. Experimentamos brevemente a nudez do patriotismo, em essência, isenta de preconceitos.

Entretanto, ver a bandeira hasteada em meio à desordem significa bem mais que isso. Alguém, dono de ideias geniais, disse um dia que “o brasileiro não desiste nunca”. O símbolo-mor da nação, exibido explicitamente para quem quiser ver, demonstra nossa fascinante capacidade de não nos deixar abater, de não ser vencidos por uma meia dúzia de problemas.

Aquela flâmula deveria se tornar um monumento. Uma homenagem a mim, a você. Ao povo deste país, que sofre, mas vence. Um povo que às vezes chora de medo e logo depois, de alívio. Uma nação que sorri, feliz, lá no alto do morro, do Corcovado e do Alemão.

sábado, 27 de novembro de 2010

O não-tão bom velhinho

Conversei com algumas pessoas sobre o Natal. Sobre a temporada que oficialmente abrimos hoje, a trinta dias da data. Conversei sobre o clima efusivo, a festividade da época, o encanto de alguns e a repulsa de outros. E inevitavelmente, sobre o gordo popstar que ofuscou o verdadeiro significado do Natal.

Tradicionalmente em negrito no calendário, o 25 de dezembro remonta há alguns milênios, época do nascimento de Jesus, o homem que dividiu a história em duas – antes e depois dEle. De um tempo para cá, vem sendo associado também a doce expectativa de ouvir o Jingle Bells em melodias xilofônicas, ruas enfeitadas de verde e vermelho, luzes nas varandas e uma infinidade de velhinhos gordos que usam paletó em pleno verão.

Mas afinal de contas, quem é o ancião que vemos em todas as esquinas? Um homem generoso, uma alma caridosa, um grande coração. Uma invenção da Coca-Cola, talvez. Mas seja lá o que for, o velho barrigudo é bonzinho. Certo?

Errado. O bom velhinho não passa de um estelionatário.

Ele aumenta os preços da cesta básica, do transporte, da comunicação, do lazer. Leva com ele uma porção, tão gorda quanto ele, do 13º salário de muita gente, que mal tem o que comer. Pode formar cartéis à vontade, em todo o mundo, sem ser preso por isso. Exacerba a desigualdade social estimulando o consumismo. E se isso tudo não bastar, entra escondido na sua casa, assalta sua geladeira e te passa a perna no final do ano.

Explico: se você é daqueles que educa seu filho dizendo a ele: “Não faça isso, pois Papai Noel está vendo”, cuidado. O barrigudo sempre traz presentes para os malcriados. No fim das contas, seu filho mandou a mãe ir se danar, cuspiu na careca do avô e entupiu o cano de descarga do carro com uma bola de tênis. Mas quem se importa? Você vai gastar um bom dinheiro com seu amável rebento no dia 25, mesmo depois de ele ter colocado o cachorro no micro-ondas para fazer hot dog.

O bom velhinho é figura ilustrativa, não educativa. Não devemos restringir o significado do Natal ao simples acúmulo de presentes ou forma de coação de filhos rebelados. A estratégia falhará quando descobrirem que Papai Noel não os ama de verdade e então, esqueça a disciplina.
A manjedoura se transformará em bijuteria, Cristo uma simples estátua e Belém, um pacote turístico. Sua prole pagará pelos erros no cartão e mandará a fatura para o seu endereço, enquanto o velho passeia por aí tirando sarro de você.

Pela igualdade da gente igual

Nos últimos anos, um vertiginoso número de movimentos em prol da igualdade de direitos tem marcado nossa existência como sociedade. Cada qual com sua devida notoriedade, esses movimentos tem ensurdecido grande parte do povo brasileiro, que não se encaixa em nenhum dos requisitos dos panelaços, paradas, passeatas e congêneres.

Por essa razão, saio em defesa dos que são terrivelmente discriminados pela falta de um movimento que os abranja. Estou fundando o Movimento Universal pela Valorização da Gente Comum, que visa defender o direito da população normal, neutra. Gente que não se autodiscrimina por ser branco ou preto, rico ou pobre, homo ou hetero. Gente que não faz da sua cor, sexo, religião ou raça, um estandarte da exclusão social que sofrem ou pensam sofrer.

Por muitas vezes me pergunto se a discriminação de seja lá quem for realmente existe, na proporção que dizem. Porque acredito que “discriminar” vai além do que o senso comum define. Discriminar é estabelecer diferenças que excluam algo ou alguém de um contexto, dos menores aos maiores grupos sociais. E sob essa ótica, ninguém tem tanto potencial discriminatório quanto os próprios “excluídos”.

Aqueles que militam em movimentos barulhentos para lutarem pela igualdade se esquecem de ser iguais. Não tenho dúvidas de que todos, sem exceção, temos o mesmo valor. Aprendemos isso desde pequenos e, quem é cristão, sabe que isso é uma das regras áureas do amor ao próximo. Mas até onde me recordo, nunca presenciei um Dia Internacional do Homem, nem uma Parada do Orgulho Heterossexual, nem um Dia Mundial da Consciência Alva. Nada contra, mas é que fica difícil conversar no mesmo volume de quem está gritando no seu ouvido com microfones e caixas de som. Nossa voz fica abafada.

Os Manifestos Mundiais de Qualquer Coisa, que consistem numa mobilização comunitária com padrões próprios de sobrevivência, nada mais são do que formas paralelas de sociedade. Vivem na vanglória da militância, mas não subsistiriam sem a estrutura social secular da qual partilhamos, sendo nós homens, mulheres, crianças ou que for.

São movimentos que existem numa relação simbiótica entre eles e quem os sustenta, como um filho rebelde que ainda precisa dos pais, mas quer ser independente. Aos olhos dos pais, esse filho é idêntico aos outros, não fosse o seu irritante complexo de inferioridade. A frequente mania de ele próprio achar que vale menos que os irmãos.

Nada que não se resolva numa boa conversa.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Médio no nome, Médio na essência

Um pedaço do sonho de muita gente acaba de ir por água abaixo. O Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – que vem sendo adotado como parte do processo seletivo de diversas universidades do Brasil, surpreendeu pela sua desorganização e pelo despreparo, tanto de idealizadores quanto dos próprios alunos.

Surgido como meio de verificação da qualidade do ensino médio, precário em boa parte do Brasil, o ENEM ganhou relevância no cenário acadêmico devido à complexidade de suas questões e a exigência de bons conhecimentos em física, química e toda a parafernália intelectual que uma vez a gente aprende e nunca mais usa.

Mesmo com a crescente valorização do exame, que inclusive já substitui o vestibular em algumas das maiores universidades do país, o que vimos nesse último final de semana foi a recorrência do caótico espetáculo da vulgarização do ensino. A balbúrdia instaurada ano passado está de novo diante do nosso nariz, esperando o agradável momento de encararmos a situação com o glorioso bom humor nacional.

No meio pré-universitário, nenhum outro assunto pauta os encontros dos milhões de jovens e adolescentes que fizeram a prova. As expectativas, os meses de preparação e os planos de ingresso em algum curso superior foram, todos, invariavelmente adiados. Estamos diante de uma indefinição momentânea, mas de resultados perenes.

Não se trata de estipular ou não culpados para o problema, nem sequer de especular quais foram as causas do incidente. Isso não compete a nós, reles cidadãos, mesmo com todo o nosso potencial reivindicatório. O que incomoda é a incerteza. Sabe-se demais a respeito do ocorrido, mas nada se sabe a respeito da tratativa. O cancelamento de dois dias de provas, na mais simplória das análises, indica uma enfadonha perda de tempo. Numa segunda avaliação, indica também o desperdício da preparação de milhares de candidatos e a irritante libertinagem dos que não fizeram o exame ou fizeram e obtiveram péssimos resultados.

Quem se empenhou em fazer, vai chorar. É previsível. Quem não foi assim tão bem, tem seus motivos para comemorar, irresponsavelmente. No fim das contas, já podemos sentir o cheiro da pizza permeando os noticiários de amanhã ou depois. A mesma pizza que sempre engolimos depois de um escândalo, à moda da casa: de cabeça pra baixo e sem sabor.

Se aquela garota, de São Paulo, não conseguiu participar da prova pela ”exemplar pontualidade” do exame, que ela também não coma dessa pizza.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mamãe careta

Como alguém recém-chegado à juventude, tenho percebido o quanto os pais têm de se retorcer e fazer malabarismos para se ajustarem à rotina nada ortodoxa dos filhos. Horários mutáveis, amigos “muito loucos” e hábitos localizados no estreito limiar que separa a ousadia da irresponsabilidade.

Meninas são aconselhadas a carregarem camisinhas nas bolsas enquanto os rapazes são orientados a pedirem socorro se estiverem bêbados demais. Os arreios dos horários de se chegar em casa foram docemente trocados pelo telefonema letárgico da mãe, no meio da night, querendo apenas saber se está tudo bem com o filho – que por sinal, acha isso ridículo.

É certo de que a criação da prole é um emaranhado de princípios e ideologias que são lentamente dosados na vivência de cada filho. Mas o que não se sabe ainda é até que ponto os valores de uma família se contrapõem aos valores da sociedade contemporânea. Pior do que isso, não se sabe mais o que é família e o que é sociedade – e quando se sabe, o que está do portão para fora é infinitamente mais atrativo.

É legal encher a cara, dar vexame e ficar famoso entre a galera da facul. É bacana transar pela primeira vez aos quatorze anos, com um carinha lá da festa da Taty. É mais fantástico ainda ter ido a um prostíbulo enquanto os pais pensavam que o filho estava na casa do Dudu.

Essas mesmas ideias se infiltram sorrateiramente em cada família, dando a falsa impressão de que tudo é uma fase. Em alguns casos, costuma ser. A mocinha de quatorze anos que transou com o cara da festa da Taty, em pouco tempo será mãe. Solteira. Aliás, o pai não é aquele rapazinho que deu vexame no churrasco da faculdade? Pois é. Morreu num acidente.

Sabe? Uma das coisas pelas quais sou grato à minha mãe é por ela sempre ter sido meio... careta. Lá em casa, ela nunca ensinou que promiscuidade é normal. Ela nunca me disse que era divertido sair na sexta e só aparecer em casa no final do domingo, cheirando a álcool e cigarros. Minha mãe nunca me ensinou a querer fazer as coisas erradas só porque o “proibido é mais gostoso”. Ela me ensinou a ser responsável e honesto – com os outros e comigo mesmo.

Graças a ela, hoje não sou dependente químico. Não sou pai de filhos acidentais. Não morri em acidentes de trânsito. Graças a minha mãe, que sempre foi meio careta, ainda acho que “bala” e “doce” são apenas guloseimas. Caso você não tenha entendido, peça ajuda ao seu filho adolescente ou jovem. Ele explicará melhor do que eu.

sábado, 30 de outubro de 2010

Fratura Moral

Na quarta-feira, 20, acompanhamos o rebuliço causado pelo confronto entre PSDB e PT, fruto de um desgaste que vem se acumulando desde a pré-candidatura de Serra e Dilma. A batalha culminou com a utilização de um violento arsenal, revelado às pressas como um daqueles cães que mostram os dentes antes de avançar contra o inimigo.

Dentre as armas sagazmente escolhidas pelos vanguardistas, além da tradicional metralhadora de asneiras e fanfarronices de ambas as partes, figura também uma... bolinha de papel.
O que aconteceu depois do ataque, não mais nos interessa. Somos um povo com a fabulosa capacidade de esquecer todo o contexto e dirigir nossa atenção somente àquilo que nos diverte, ou nos entretém por alguns momentos. Não que isso seja um princípio negativo, mas tem a hora certa para ser aplicado.

Nesses últimos dias, não se tem discutido os efeitos do confronto: poucas pessoas sabem que comerciantes perderam quase um dia todo de trabalho ou que dezenas de pessoas ficaram feridas. O senso comum apregoa que Serra foi aconselhado a ter dores de cabeça após ser atingido por uma “bola perdida”. E só.

Não deveríamos discutir sobre o que foi atirado ou os efeitos irreais de uma “pancadinha de leve”. A bola de papel mostra a mesma selvageria, e deveria causar igual comoção à que houve após os ataques a Berlusconi, Bush, Obama e, inclusive, Kennedy. Da bola à bala, todos esses retratam o canibalismo político presente nos quatro cantos do mundo. Todos comprovam verdadeira falta de respeito e quem sabe, a imoralidade de um eleitorado cego, parcial.

Certamente, mais do que o abalo físico – que convenhamos, inexiste – a bolinha de papel atirada causou o abalo moral, fratura terrivelmente exposta no brio de quem leva este país a sério. Como democracia que somos e para quem realmente se preocupa com isso (afinal, o que é mesmo democracia?), tudo isso soa como uma bofetada no rosto corado e risonho do brasileiro.

Os disparates que ouvimos após eventos como esse são naturais, frutos do nosso sensacional bom humor, que nos permite fazer piadinhas de todas as nossas desgraças. O que não pode se naturalizar e se enraizar em nosso cotidiano é a admissão livre e imponderada da ruptura da ética e da moral. Grandes nações sofrem desse mal, essencialmente anacrônico.

Aos patriotas, não se preocupem: esse é um bom sinal. Se já somos tão vorazes quanto os grandes, é hora de tocarmos as trombetas e avisarmos que estamos chegando. Sob nova direção e com um band-aid verde e amarelo na cabeça.