sábado, 27 de novembro de 2010

O não-tão bom velhinho

Conversei com algumas pessoas sobre o Natal. Sobre a temporada que oficialmente abrimos hoje, a trinta dias da data. Conversei sobre o clima efusivo, a festividade da época, o encanto de alguns e a repulsa de outros. E inevitavelmente, sobre o gordo popstar que ofuscou o verdadeiro significado do Natal.

Tradicionalmente em negrito no calendário, o 25 de dezembro remonta há alguns milênios, época do nascimento de Jesus, o homem que dividiu a história em duas – antes e depois dEle. De um tempo para cá, vem sendo associado também a doce expectativa de ouvir o Jingle Bells em melodias xilofônicas, ruas enfeitadas de verde e vermelho, luzes nas varandas e uma infinidade de velhinhos gordos que usam paletó em pleno verão.

Mas afinal de contas, quem é o ancião que vemos em todas as esquinas? Um homem generoso, uma alma caridosa, um grande coração. Uma invenção da Coca-Cola, talvez. Mas seja lá o que for, o velho barrigudo é bonzinho. Certo?

Errado. O bom velhinho não passa de um estelionatário.

Ele aumenta os preços da cesta básica, do transporte, da comunicação, do lazer. Leva com ele uma porção, tão gorda quanto ele, do 13º salário de muita gente, que mal tem o que comer. Pode formar cartéis à vontade, em todo o mundo, sem ser preso por isso. Exacerba a desigualdade social estimulando o consumismo. E se isso tudo não bastar, entra escondido na sua casa, assalta sua geladeira e te passa a perna no final do ano.

Explico: se você é daqueles que educa seu filho dizendo a ele: “Não faça isso, pois Papai Noel está vendo”, cuidado. O barrigudo sempre traz presentes para os malcriados. No fim das contas, seu filho mandou a mãe ir se danar, cuspiu na careca do avô e entupiu o cano de descarga do carro com uma bola de tênis. Mas quem se importa? Você vai gastar um bom dinheiro com seu amável rebento no dia 25, mesmo depois de ele ter colocado o cachorro no micro-ondas para fazer hot dog.

O bom velhinho é figura ilustrativa, não educativa. Não devemos restringir o significado do Natal ao simples acúmulo de presentes ou forma de coação de filhos rebelados. A estratégia falhará quando descobrirem que Papai Noel não os ama de verdade e então, esqueça a disciplina.
A manjedoura se transformará em bijuteria, Cristo uma simples estátua e Belém, um pacote turístico. Sua prole pagará pelos erros no cartão e mandará a fatura para o seu endereço, enquanto o velho passeia por aí tirando sarro de você.

Pela igualdade da gente igual

Nos últimos anos, um vertiginoso número de movimentos em prol da igualdade de direitos tem marcado nossa existência como sociedade. Cada qual com sua devida notoriedade, esses movimentos tem ensurdecido grande parte do povo brasileiro, que não se encaixa em nenhum dos requisitos dos panelaços, paradas, passeatas e congêneres.

Por essa razão, saio em defesa dos que são terrivelmente discriminados pela falta de um movimento que os abranja. Estou fundando o Movimento Universal pela Valorização da Gente Comum, que visa defender o direito da população normal, neutra. Gente que não se autodiscrimina por ser branco ou preto, rico ou pobre, homo ou hetero. Gente que não faz da sua cor, sexo, religião ou raça, um estandarte da exclusão social que sofrem ou pensam sofrer.

Por muitas vezes me pergunto se a discriminação de seja lá quem for realmente existe, na proporção que dizem. Porque acredito que “discriminar” vai além do que o senso comum define. Discriminar é estabelecer diferenças que excluam algo ou alguém de um contexto, dos menores aos maiores grupos sociais. E sob essa ótica, ninguém tem tanto potencial discriminatório quanto os próprios “excluídos”.

Aqueles que militam em movimentos barulhentos para lutarem pela igualdade se esquecem de ser iguais. Não tenho dúvidas de que todos, sem exceção, temos o mesmo valor. Aprendemos isso desde pequenos e, quem é cristão, sabe que isso é uma das regras áureas do amor ao próximo. Mas até onde me recordo, nunca presenciei um Dia Internacional do Homem, nem uma Parada do Orgulho Heterossexual, nem um Dia Mundial da Consciência Alva. Nada contra, mas é que fica difícil conversar no mesmo volume de quem está gritando no seu ouvido com microfones e caixas de som. Nossa voz fica abafada.

Os Manifestos Mundiais de Qualquer Coisa, que consistem numa mobilização comunitária com padrões próprios de sobrevivência, nada mais são do que formas paralelas de sociedade. Vivem na vanglória da militância, mas não subsistiriam sem a estrutura social secular da qual partilhamos, sendo nós homens, mulheres, crianças ou que for.

São movimentos que existem numa relação simbiótica entre eles e quem os sustenta, como um filho rebelde que ainda precisa dos pais, mas quer ser independente. Aos olhos dos pais, esse filho é idêntico aos outros, não fosse o seu irritante complexo de inferioridade. A frequente mania de ele próprio achar que vale menos que os irmãos.

Nada que não se resolva numa boa conversa.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Médio no nome, Médio na essência

Um pedaço do sonho de muita gente acaba de ir por água abaixo. O Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – que vem sendo adotado como parte do processo seletivo de diversas universidades do Brasil, surpreendeu pela sua desorganização e pelo despreparo, tanto de idealizadores quanto dos próprios alunos.

Surgido como meio de verificação da qualidade do ensino médio, precário em boa parte do Brasil, o ENEM ganhou relevância no cenário acadêmico devido à complexidade de suas questões e a exigência de bons conhecimentos em física, química e toda a parafernália intelectual que uma vez a gente aprende e nunca mais usa.

Mesmo com a crescente valorização do exame, que inclusive já substitui o vestibular em algumas das maiores universidades do país, o que vimos nesse último final de semana foi a recorrência do caótico espetáculo da vulgarização do ensino. A balbúrdia instaurada ano passado está de novo diante do nosso nariz, esperando o agradável momento de encararmos a situação com o glorioso bom humor nacional.

No meio pré-universitário, nenhum outro assunto pauta os encontros dos milhões de jovens e adolescentes que fizeram a prova. As expectativas, os meses de preparação e os planos de ingresso em algum curso superior foram, todos, invariavelmente adiados. Estamos diante de uma indefinição momentânea, mas de resultados perenes.

Não se trata de estipular ou não culpados para o problema, nem sequer de especular quais foram as causas do incidente. Isso não compete a nós, reles cidadãos, mesmo com todo o nosso potencial reivindicatório. O que incomoda é a incerteza. Sabe-se demais a respeito do ocorrido, mas nada se sabe a respeito da tratativa. O cancelamento de dois dias de provas, na mais simplória das análises, indica uma enfadonha perda de tempo. Numa segunda avaliação, indica também o desperdício da preparação de milhares de candidatos e a irritante libertinagem dos que não fizeram o exame ou fizeram e obtiveram péssimos resultados.

Quem se empenhou em fazer, vai chorar. É previsível. Quem não foi assim tão bem, tem seus motivos para comemorar, irresponsavelmente. No fim das contas, já podemos sentir o cheiro da pizza permeando os noticiários de amanhã ou depois. A mesma pizza que sempre engolimos depois de um escândalo, à moda da casa: de cabeça pra baixo e sem sabor.

Se aquela garota, de São Paulo, não conseguiu participar da prova pela ”exemplar pontualidade” do exame, que ela também não coma dessa pizza.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Mamãe careta

Como alguém recém-chegado à juventude, tenho percebido o quanto os pais têm de se retorcer e fazer malabarismos para se ajustarem à rotina nada ortodoxa dos filhos. Horários mutáveis, amigos “muito loucos” e hábitos localizados no estreito limiar que separa a ousadia da irresponsabilidade.

Meninas são aconselhadas a carregarem camisinhas nas bolsas enquanto os rapazes são orientados a pedirem socorro se estiverem bêbados demais. Os arreios dos horários de se chegar em casa foram docemente trocados pelo telefonema letárgico da mãe, no meio da night, querendo apenas saber se está tudo bem com o filho – que por sinal, acha isso ridículo.

É certo de que a criação da prole é um emaranhado de princípios e ideologias que são lentamente dosados na vivência de cada filho. Mas o que não se sabe ainda é até que ponto os valores de uma família se contrapõem aos valores da sociedade contemporânea. Pior do que isso, não se sabe mais o que é família e o que é sociedade – e quando se sabe, o que está do portão para fora é infinitamente mais atrativo.

É legal encher a cara, dar vexame e ficar famoso entre a galera da facul. É bacana transar pela primeira vez aos quatorze anos, com um carinha lá da festa da Taty. É mais fantástico ainda ter ido a um prostíbulo enquanto os pais pensavam que o filho estava na casa do Dudu.

Essas mesmas ideias se infiltram sorrateiramente em cada família, dando a falsa impressão de que tudo é uma fase. Em alguns casos, costuma ser. A mocinha de quatorze anos que transou com o cara da festa da Taty, em pouco tempo será mãe. Solteira. Aliás, o pai não é aquele rapazinho que deu vexame no churrasco da faculdade? Pois é. Morreu num acidente.

Sabe? Uma das coisas pelas quais sou grato à minha mãe é por ela sempre ter sido meio... careta. Lá em casa, ela nunca ensinou que promiscuidade é normal. Ela nunca me disse que era divertido sair na sexta e só aparecer em casa no final do domingo, cheirando a álcool e cigarros. Minha mãe nunca me ensinou a querer fazer as coisas erradas só porque o “proibido é mais gostoso”. Ela me ensinou a ser responsável e honesto – com os outros e comigo mesmo.

Graças a ela, hoje não sou dependente químico. Não sou pai de filhos acidentais. Não morri em acidentes de trânsito. Graças a minha mãe, que sempre foi meio careta, ainda acho que “bala” e “doce” são apenas guloseimas. Caso você não tenha entendido, peça ajuda ao seu filho adolescente ou jovem. Ele explicará melhor do que eu.